Você que, como eu, chegou à meia-idade, deve estar sentido o peso da modernidade nas costas. Confesso que eu mesmo não havia me preparado para pronunciar aquela abominável frase “… no meu tempo”, mas fato é que, da minha juventude até os dias atuais, alguém lá em cima provavelmente esbarrou no acelerador do mundo.
Comportamentos e tecnologias estão revolucionando diariamente as nossas vidas, modificando exponencialmente a forma com que nos relacionamos, trabalhamos, consumimos e aprendemos. E tudo isso é apenas o começo. Afinal, estamos vivendo uma mudança de era e não uma simples era de mudanças.
Entretanto, quando nos confrontamos com uma foto de uma sala de aula do século passado diante da imagem de uma outra sala mais atual, percebemos que, pelo menos na maioria absoluta dos colégios convencionais mundo afora, pouquíssima coisa mudou. A perspectiva é basicamente a mesma: fileiras de carteiras dispostas lateralmente, viradas para uma lousa, onde o professor comanda o espetáculo e dita as regras. Salvo raras exceções, as aulas que os nossos filhos assistem não diferem em quase nada daquelas de décadas atrás.
Houve sim pequenas evoluções incrementais, mas a essência permanece a mesma, mantendo-se basicamente a dinâmica de um sistema arcaico e impermeável, baseado em hierarquia rígida e comando-controle.
Se lá atrás essa fórmula já mostrava amplos sinais de desgaste, quiçá para a geração dos nossos filhos. Ilustrativamente, o meu filho, o Gutto, nos seus 9 anos de vida, já teve mais acesso à informação do que eu pude colecionar até bem poucos anos atrás. O caso dele é representativo de como as gerações Y e X – nascidos após os anos 80 – possuem um modelo mental bem diferente. Apesar de guardarem claras distinções entre elas, sou capaz de listar pelo menos cinco pontos que as unem e, ao mesmo tempo, as distanciam das gerações anteriores:
1- Para esses jovens, a tecnologia é ubíqua. Só se percebe a existência na falta;
2- Pensam de maneira multidisciplinar e são multiconectados;
3- Possuem alta consciência ambiental e social;
4- Buscam realização através da vivencias de experiências, e não da posse;
5- Não objetivam carreira, mas sim propósito e, por isso, empreender é a opção.
Talvez por esses motivos, eu nunca consegui me fazer entendido explicando ao Gutto que, “no meu tempo”, para se realizar um trabalho escolar, nos reuníamos na casa de um colega, cada um levava a sua enciclopédia – Barsa, Brittanica, Conhecer – e resumíamos nossas partes para compilarmos tudo numa impecável folha de papel almaço…
Detalhe: não podíamos usar corretivo de caneta, senão éramos obrigados a refazer tudo! A capa era uma xerox recortada ou, na melhor das hipóteses, uma imagem de revista, afixada com cola branca debaixo de um cabeçalho datilografado (sim, eu fiz curso de datilografia no colégio). E mesmo assim, ainda conseguíamos tirar ótimas notas, pois aquilo era simplesmente o estado-da-arte possível naqueles anos não tão distantes assim.
Em 1913, Thomas Edison previu que “os livros logo se tornariam obsoletos nas escolas.” Ele não era a única pessoa na época que imaginava que as tecnologias emergentes poderiam mudar a educação. O professor de psicologia educacional da Universidade de Columbia, Edward Thorndike – behaviorista e criador do teste de múltipla escolha – também acreditava que um dia os livros impressos seriam substituídos por algo diferente. (Crédito: Hackeducation)
Agora vejamos o que acontece hoje: anos atrás, por volta dos seus 6 anos, o Gutto me fez uma pergunta sobre um determinado tema escolar. Eu passei alguns bons minutos discorrendo toda a minha teoria acumulada sobre o assunto. Quando eu acabei, sorrateiramente ele se dirigiu para o seu quarto e, logo depois, voltou à sala onde eu estava com seu laptop na mão, incomodado com o fato de que o que eu havia dito, minutos atrás, não estava muito bem alinhado com o que ele havia acabado de pesquisar no Google. Contrariado, eu tive que render às evidências.
Se por um lado vivemos uma era de plena e acessível disponibilidade da informação nos dias de hoje, por outro, como efeito colateral, cria-se justamente o desafio pela atenção, demandando técnicas de engajamento mais elaboradas como, por exemplo, a gameficação, que é o processo de emulação do pensamento e a dinâmica utilizada nos jogos para o engajamento de pessoas, com vias à resolução de problemas. Ou seja, o problema passa a ser uma diversão, um meio de se incentivar a ação e promover a aprendizagem.
Somente por essa definição, percebe-se que há um enorme distanciamento do que ainda se prega nos bancos escolares, onde investimos uma considerável parte das nossas vidas para adquirirmos mecanicamente conhecimentos que efetivamente não nos servirão a resolver nada no mundo real. Ou vai me dizer que ter decorado toda a tabela periódica para aquela prova contribuiu decisivamente para que você se viesse a ser tornar um profissional mais capaz?
Então, até aqui nós já temos a árdua missão de educar um jovem que tem pleno acesso à informação e que está habituado a solucionar problemas na vida real de uma forma diferenciada, lúdica e investigativa. Só que, para aumentar a complexidade desse novo indivíduo, devemos lembrar que ele também nasceu num mundo sem fronteiras e sabe que é possível acessar qualquer pessoa no mundo através de uma simples rede social, o que faz com que as conexões e a colaboração sejam as novas chaves do mundo moderno.
Contrariando tudo isso, entre os muros escolares, ainda insistimos na desgastada figura do professor palestrante, aquele que tudo sabe e que tem o destino dos alunos nas suas mãos, através das notas das provas, onde ele sela o destino de cada aluno. Será que é possível perceber um “pequeno” desalinhamento de expectativas aqui também?
Finalmente, resta citar um último elemento nessa composição: como é que um aluno que passa boa parte do seu tempo em casa diante de múltiplas telas e os mais diversos estímulos sensoriais vai se submeter a tortuosos 50 minutos roubados da sua atenção atento a objeto chamado “lousa”?
Mesmo as aulas em lousas digitais ou no Powerpoint, muitas vezes são absolutamente idênticas às da época do giz. Nesse caso, pelo menos poupa-se os cerca de 80% do tempo que, no passado, o professor levava para escrever e, logo depois de uma rápida explicação, apagar tudo!
Juro que quando me lembro dessa dinâmica surreal eu me pergunto por que motivo nunca houve um levante dos nossos pais. Bom, considerando-se que andávamos no banco da frente dos carros sem usar o cinto de segurança e ainda por cima achávamos tudo absolutamente normal, talvez isso não devesse ser algo assim muito surpreendente.
Um grande amigo, recentemente, fez um comentário muito perturbador a cerca da educação atual. Disse ele: “acho que o momento em que vivemos é especialmente cruel para os jovens, que são obrigados a escolher uma carreira para prestar no vestibular, já que a grande maioria delas não existirá em pouco tempo, tendo em vista as mudanças tecnológicas”.
Ele tem toda razão. Do jeito que estamos caminhando, estamos investindo em oferecer conhecimentos obsoletos ao invés de criarmos as competências necessárias para trilharmos um mundo desconhecido. É justamente aí que reside o ponto de virada da nova educação.
Para se ter uma dimensão da magnitude do desafio a ser enfrentando, estudos da John M. Olin School of Business – Washington University – estimam que cerca de 40% das empresas listadas no índice S&P 500 sairão do mercado em apenas 10 anos (1), já que elas não serão capazes de acompanhar as mudanças promovidas nos ambientes de negócios.
Se o mundo já está girando rápido agora, imagine o que acontecerá com o advento de tecnologias como a robótica, internet das coisas, inteligência cognitiva, realidade virtual, realidade aumentada, impressão 3D, nanotecnologia, biotecnologia, blockchain, veículos autômatos, drones, entre várias outras.
E não há outra saída para nos prepararmos para um futuro de instabilidade e incertezas que não seja pela via da educação de qualidade, do preparo do jovem de hoje para que ele seja capaz de atuar em um ambiente absolutamente imprevisível. E qual o caminho a ser perseguido?
Já sabemos que, como estamos indo, não devemos ir longe, então, precisamos de mudanças imediatas.
Abaixo, identifico o eixo da mudança educacional que vislumbro através de 5 itens principais:
1) Professor como mentor
O professor já não tem mais o monopólio do conhecimento e, sendo assim, não consegue mais exercer autoridade através desse mecanismo tortuoso. Por outro lado, seu papel daqui em diante é muito mais importante. Ele deve atuar como mentor, ou seja, deve despertar nos seus alunos o gosto pelo conhecimento e estruturar o pensamento para a solução de problemas, instigando-os a buscar respostas para as questões que surgem a cada dia. Não é mais sobre a resposta certa, mas sim sobre a pergunta bem formulada. Nesse sentido, cabe ao professor a tarefa adicional de ajudar o aluno a selecionar a informação de qualidade, já que no ambiente virtual, existe um pouco de tudo.
2) Disciplinas integradas em projetos e enfatizando problemas reais
Tendo em vista a complexidade crescente dos problemas, por que será que ainda insistimos em oferecermos disciplinas separadas nas escolas?
Aqui mesmo no Brasil temos bons exemplos dessa mudança: os alunos do 5.º ano do ensino fundamental da Escola Villare, em São Caetano do Sul, no ABC paulista, saem da sala todas as quintas-feiras para terem aula no parque. A disciplina é dada por quatro professores simultaneamente e os estudantes aprendem conceitos de Biologia, Geografia e Artes. Denominada como Grupo de Pesquisa Interdisciplinar (GPI), a matéria se assemelha a um projeto extracurricular, no entanto, faz parte da grade regular, com exigência de notas e frequência.
Outras escolas particulares de São Paulo também estão alterando o currículo para adicionarem matérias que vão abordar mais de uma disciplina – conceito chamado “STEAM” (que na sigla em inglês significa Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), seguindo uma tendência mundial em franco crescimento (2). Afinal, se a sala de aula não pode se tornar mera diversão, por outro lado, ela pode e deve se tornar divertida.
3) Foco no indivíduo
As escolas em geral, especialmente no Brasil, não estão preparadas para lidar com as diferenças, os talentos especiais. Vejo o caso de vários alunos que não se adaptam na escola pelo excesso de competências e perdem todo o interesse em frequentar as aulas. Por exemplo: meu filho, aprendeu a ler e a escrever em casa, sozinho, através de brinquedos tecnológicos. Porém, ao chegar na escola, essa habilidade acabou prejudicando-o, uma vez que o colégio não quis se dar ao trabalho de desenvolve-lo ainda mais e optou por deixa-lo à margem da classe, para que ele não prejudicasse o andamento da aula. Tenho vários filhos de amigos que passaram por problemas semelhantes.
Vivemos a cultura da média, que tanto não se esforça em compreender as dificuldades de quem não está conseguindo evoluir quanto despreza os talentos especiais, por não se encaixarem no tempo da escola. Esse modelo de produção em massa é mais uma herança do formato industrial que moldou a nossa sociedade desde a primeira revolução. Acontece que cada vez mais estamos tendo crianças com talentos que fogem da curva normal e que precisam ser devidamente incentivados. Na rede de escolas de tecnologia e inovação da qual sou sócio, tivemos um caso como esse recentemente. O João Paulo é um dos nossos alunos que está para ingressar no Guiness Book como o mais jovem escritor bilíngue do mundo. Aos 6 anos de idade ele escreveu o livro “No Mundo da Lua e dos Planetas – In the World of the Moon and the Planets” e foi convidado participar do concurso “NASA Ames Space Settlement”, que esse ano tem como tema “Estações Espaciais”. Nós o auxiliamos a construir um jogo sobre o livro que será apresentado na ocasião e, durante todo o processo, em conversa junto à Margarida, sua mãe, ela nos relatou a dificuldade que foi fazer com que ele pulasse turmas na escola até que pudesse se encaixar no nível intelectual em que verdadeiramente estava. Não são apenas casos isolados e a tendência é que eles aumentem cada vez mais (3).
4) Desenvolvimento de competências socioemocionais
Se é verdade que o conhecimento torna-se cada vez mais efêmero, as habilidades para lidar com os problemas da vida real não são e precisam ser cuidadosamente desenvolvidas. A educação socioemocional considera as expectativas do aluno e o prepara para enfrentar os desafios imprevisíveis. Atividades que estimulam o autoconhecimento, adaptabilidade, liderança, consciência social, autogestão, curiosidade, criatividade, cooperação, gestão de relacionamentos, formação do senso crítico, protagonismo persistência e empreendedorismo fazem parte desse novo conjunto de competências essenciais.
A questão passa ser de formar meros técnicos para a formação de indivíduos completos. Tanto é que, das 16 competências essenciais para o mercado de trabalho identificadas no relatório do Fórum Econômico Mundial (FEM) de 2016 como essenciais para o século XXI, nada menos que 12 delas remetem justamente para a aprendizagem social e emocional (4).
5) Tecnologia como meio
Em todo mundo, o ensino de programação e robótica começa a fazer parte das grades curriculares. A Austrália optou por substituir disciplinas tradicionais como história e geografia para dar lugar às aulas de programação, baseando-se no sucesso de ações realizadas em outros países (5). A Inglaterra, por exemplo, foi um dos primeiros países a implantar o ensino de programação e robótica como aprendizado obrigatório nas escolas. Já nos Estados Unidos, a situação é bem parecida. Em Nova Iorque foi lançado um plano de educação para implantar o estudo de ciências da computação em todas as escolas públicas, enquanto que em Chicago, tornou-se exigência para a conclusão do ensino médio, o aprendizado de programação e robótica. Enquanto isso, em São Francisco, foi aprovada a meta de oferecer disciplinas na área para crianças do infantil até o ensino médio, também, sendo obrigatório (6). Aqui mesmo no Brasil, o atual prefeito de São Paulo, anunciou dias atrás um maciço investimento para a implementação do ensino de programação nas escolas municipais, reforçando a inevitabilidade da tendência (7).
E não é só de programação e robótica que estamos falando. A plataforma Minecraft, uma espécie de Lego virtual, foi adquirida por US$ 2,5 bilhões em 2014 pela Microsoft e ganhou a sua versão educativa em 2011. Ela é hoje utilizada em milhares de escolas mundo afora (8). Até mesmo aulas de Youtuber estão sendo oferecidas pelos colégios em suas grades curriculares, incentivando os alunos a produzirem conteúdo estruturado e a desenvolverem habilidades importantes, como o trabalho em grupo em situações complexas (9). São vários os exemplos que, aos poucos, fornecem um amplo ferramental à disposição dos professores para que possam desenvolver aulas cada vez mais interessantes.
O futuro da educação
Certamente que essa revolução ainda está apenas no começo. No Brasil, alguns grupos escolares inauguraram recentemente projetos bem alinhados com o futuro, a despeito das rígidas exigências curriculares do Ministério da Educação. Contudo, são oportunidades para muito poucos, uma vez que o custo das mensalidades gira em torno de 4 a 8 mil reais. Tudo é uma questão de tempo, mas esse sim é um recurso que, infelizmente, a tecnologia ainda não conseguiu multiplicar. Que sejamos rápidos.
Eu deixo aqui como reflexão final a história do atleta queniano Juliu Yego, que conquistou a medalha de ouro no Mundial de Atletismo de Pequim e chegou a Rio-2016, na modalidade de lançamento de dardo, graças apenas ao Youtube. Sim, para se tornar um atleta de ponta no atletismo, tudo o que ele precisou foi de vontade, disciplina e um acesso ao portal. Nada mais. O vídeo que conta a estória desse campeão resume bem o espírito do momento desse fascinante novo mundo.
Seja bem-vindo ao futuro, onde as oportunidades são infinitas para quem se dispuser à reinvenção diária!
Referências:
(1) http://www.deloittedigital.com/us/blog/find-your-disruptive-advantage
Por Alexandre Luercio